Dois Irmãos: a importância de permitir o voo dos filhos
Nas duas últimas semanas pude acompanhar a minissérie Dois Irmãos, resumo da obra de Milton Hatoum, que abordou a relação de ódio entre dois irmãos gêmeos de uma família libanesa. O enredo me despertou uma série de reflexões e questionamentos acerca das relações parentais nocivas e das relações parentais salutares.
Omar, o gêmeo caçula preferido e superprotegido da Mãe Zana, ficou preso na teia materna para além do tempo recebendo todo o cuidado e consentimento diante de suas selvagerias. Ficou limitado, não criou asas, não criou juízo!
Yaqub, o gêmeo preterido da mãe e orgulho do pai Halim, que foi enviado com 13 anos para o Líbano afim de evitar novos conflitos com o irmão, teve que se virar sozinho em vários aspectos. Se desenvolveu longe dos excessos maternos de Zana, recebendo o amor e o apoio emocional necessário do pai, mesmo distante. Se tornou independente, dono do seu nariz, criou asas, criou juízo!
O que eu quero dizer com essa breve comparação é que na relação parental salutar é necessário sim muito amor, proteção, apoio, diálogo, tempo de qualidade, não esquecendo jamais dos limites, da delegação de responsabilidades e por fim, do espaço e da autonomia gradual para que os filhos possam identificar o caminho a ser trilhado. Pais superprotetores correm o risco de criar filhos altamente dependentes, que se encontram frustrados e sem rumo por nunca terem tido a chance de amadurecer a partir de suas próprias escolhas.
Foi o que, na minha avaliação, aconteceu com Omar. O gêmeo caçula preferido e superprotegido da mãe Zana, totalmente sem limites e responsabilidade tornou-se um adulto beberrão, criminoso e infeliz.
Já Yaqub, que teve que lidar com a separação da família de origem desde cedo, conseguiu prosperar (a duras penas) na vida afetiva e profissional a partir de suas próprias decisões, sem as amarras maternas. Apesar da distância geográfica do pai Halim, que tanto o estimava, recebeu o carinho e apoio necessário para florescer.
Precisamos vivenciar as consequências das nossas decisões e as emoções que vem no pacote: tristeza, raiva, frustração, medo. O amadurecimento emocional se dá a partir do equilíbrio entre cuidado/proteção/amor X limites/responsabilidades/autonomia. Viver embaixo das asas dos pais sem poder respirar outros ares é nocivo!
Lendo o livro do Jorge Bucay “Quando me conheci”, coincidentemente achei um trecho que aborda de forma preciosa a importância da partida dos filhos rumo à independência, veja só:
“Em geral, os filhos aprendem e tomam a iniciativa de partir. Porém, se não o fazem, para o bem deles e de nós mesmos, é melhor que os empurremos para que deixem de ser dependentes. Para os pais, deve ficar claro que, se for necessário, será sua tarefa mostrar aos filhos que eles devem se desprender e levantar voo. Um dos maiores motivos é que os pais não viverão para sempre.
E se, apesar de todo o nosso esforço e estímulo, os filhos não se animarem a partir, nós, com muito amor e infinita ternura, deveremos abrir a porta...e empurrá-los para fora!
Os pais podem ajudar os filhos se quiserem. Não há nada de errado nisso. Mas é preciso compreender que nossa obrigação e responsabilidade para com eles não são infinitas. É preciso que se conheçam as limitações do papel de pai e mãe.
É muito importante orientar nossos filhos a conquistar sua liberdade, assim como protegê-los e educa-los até a idade adulta! Mas e depois que eles a atingirem?
Que se virem...Como puderem.
Estou convencido de que gerar dependência eterna é uma atitude nociva e nada amorosa. Há um momento em que a melhor forma de expressar o amor é atribuir aos filhos a responsabilidade sobre suas próprias vidas. Depois disso, os pais têm que ficar de fora, ajudando no que quiserem, como desejarem e quando for conveniente. E nunca é conveniente ajudar mais do que se pode.
Eu, como quase todos os pais que conheço, adoraria saber que meus filhos conseguirão se virar quando eu não estiver mais por perto. Por essa razão, quero que possam fazer isso antes que eu morra. Quero ver isso acontecer, para morrer tranquilo, com a sensação de dever cumprido. ”
Achei fantástico esse trecho! O quão importante é permitir o voo dos filhos, e muitas vezes até estimular esse passo tão salutar que reflete em todo o nucleo familiar.
Fico pensando em Omar... Se ao longo de seu desenvolvimento ele pudesse ter contado também com limites, responsabilidades e autonomia, qual teria sido o seu destino?
Acredito que ao menos poderia ter sido um cidadão do bem...
Com amor,
Raquel